NOTÍCIAS
Ousadia e compromisso: decisões da Justiça enfrentam a discriminação de gênero
28 DE JUNHO DE 2023
No Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, comemorado nesta quarta-feira (28), membros de organizações não governamentais participantes do Observatório de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se posicionam diante da administração pública para a execução de políticas que desnaturalizem o preconceito contra os LGBTQIAPN+ e efetivem as decisões judiciais, que ratificam a igualdade de direitos.
Nos últimos anos, decisões do CNJ e dos tribunais superiores têm sido instrumentos para milhões de pessoas exercerem sua cidadania no Brasil: a partir de orientações judiciais, pessoas LGBTQIAPN+ puderam adotar crianças, casar, obter direitos previdenciários, registrar um nome condizente com sua identificação pessoal, entre outras garantias civis. No entanto, os mais de 3 milhões de cidadãos (segundo dados do IBGE), que se identificam como parte desse grupo ainda esbarram, em preconceito, burocracia, violência e morte antes de terem seus direitos fundamentais assegurados.
Em 2022, o Observatório de Mortes e Violências contra LGBTQIAPN+, organização da sociedade civil, contabilizou 274 mortes violentas, colocando o Brasil novamente no 1º lugar de país mais letal contra a população transsexual. Os representantes das ONGs no Observatório alertam que só será possível garantir a esses cidadãos uma vida integral, de não violações, e de concretização de direitos, quando houver políticas em níveis municipais e estaduais voltadas para a equidade e a diversidade.
“É justamente com a destinação de recursos materiais, financeiros e pessoais que o Estado conseguirá converter em práticas as leis e as decisões judiciais que buscam concretizar esses direitos”, diz a secretária de articulação política da Antra, Bruna Benevides. Para a representante, está faltando “responsabilidade, compromisso e ousadia” no enfrentamento às violações de direitos humanos que atingem os LGBTQIAPN+ e, em especial, as pessoas trans.
A coordenadora do Observatório de Direitos Humanos do CNJ, desembargadora Carmen Gonzalez, explica a atuação do CNJ na efetivação dos direitos das pessoas LGBTQIAPN+. “No âmbito da Justiça, o CNJ atua na efetivação dos direitos desse grupo, estabelecendo políticas públicas que promovam a conscientização da sociedade sobre as questões de gênero e diversidade, a fim de que, com a aceitação das diferenças, as pessoas possam viver de maneira mais íntegra suas próprias vidas”, diz.
Intolerância e ódio
O secretário de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), Paulo Tavares Mariante, reforça a necessidade de padronização nos atendimentos em casos de crimes contra essa população, nos termos que o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, quando igualou a homofobia com o crime de racismo, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, de 2019.
“Estamos buscando diálogo com o Ministério da Justiça para conseguirmos que seja feito um trabalho de orientação na esfera dos Direitos Humanos. Lá atrás, foi elaborado um pacto de enfrentamento a essa violência, mas isso se perdeu. Alguns estados assinaram, outros não. Precisamos garantir que todo o sistema de Justiça e de segurança garantam atendimento respeitoso a qualquer cidadão e não se negue a fazer a denúncia de transfobia”, diz Paulo Mariante.
Resistências
Em 2013 o Plenário do CNJ assegurou a igualdade entre os cidadãos independentemente de suas opções sexuais ao garantir aos casamentos civis homoafetivos os mesmos direitos do matrimônio (Resolução n. 175), permitindo, por extensão, também o direito à adoção. Apesar da decisão, não é raro casais gays ou trans relatarem dificuldades para conseguirem fazer valer seus direitos.
“Ainda existem resistências em processos de adoção, por exemplo. O relatório da equipe psicossocial da respectiva vara judicial é muito importante na formação da convicção do juiz, e muitas vezes, as equipes são compostas por pessoas com valores morais conservadores”, diz Paulo Mariante.
Outro direito assegurado pela Justiça, a retificação por autodeterminação do nome e gênero também ainda não é uma realidade para a maioria dos trans. Segundo levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 65% delas ainda não conseguiu retificá-los.
“Muita burocracia e custos cartorários altos. Somente com ajuda das ONGs e das defensorias públicas estamos conseguindo alterar os nomes. Inclusive, temos esbarrado no Provimento n. 73/2018 do CNJ que não está atualizado e exige mais de 15 documentos para fazer a mudança. Fica inviável para a maioria delas”, diz Bruna Benevides.
Decisão histórica
Em 2011, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia acatado o recurso de duas mulheres que tentaram por duas vezes requerer habilitação para se casarem em Porto Alegre e tiveram seus pedidos negados nos dois cartórios. Relator do caso, o ministro Luis Felipe Salomão, atual corregedor Nacional de Justiça, não aceitou a negativa da Justiça, argumentando que o Código Civil não veda expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
“Se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família e, sendo múltiplos os arranjos familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes”, disse o ministro, em seu voto.
Avanços civilizatórios em direção à inclusão das pessoas LGBTQIAPN+ também reverberaram no Supremo Tribunal Federal (STF) que, em decisões colegiadas e monocráticas, garantiram direitos como licença-maternidade à mãe não gestante em união homoafetiva; permitiram alteração de nome e gênero no registro civil, independente de cirurgia de ressignificação de sexo e, em 2019, equiparou a homofobia e a transfobia ao crime de racismo.
Avanços e desafios
Para os representantes das ONGs, houve avanços civilizatórios, mas ainda há dificuldades a serem superadas, como a baixa escolaridade dos trans e a dificuldade desse grupo acessar o mundo do trabalho regular. “Iniciativas afirmativas podem representar passo importante para que elas ocupem espaços. São pessoas com incrível capacidade de convivência e produtividade. Não tenho dúvida que isso é muito importante”, afirmou Paulo Mariante, da ABGLT.
A representante da Antra, Bruna Benevides defendeu ser urgente a criação de políticas que acolham os trans na educação, na saúde, no emprego, assim como no acesso ao Sistema de Justiça. “Há o que se comemorar, mas também há muito a ser feito para que essa população tenha garantido seus direitos. Passada a pandemia e o tempo de ataques institucionalizados contra os direitos LGBT, agora nossa luta volta a ser a retomada dos direitos”.
Texto: Regina Bandeira
Edição: Jônathas Seixas
Agência CNJ de Notícias
The post Ousadia e compromisso: decisões da Justiça enfrentam a discriminação de gênero appeared first on Portal CNJ.
Outras Notícias
Portal CNJ
CNJ apresenta à ONU ações do Judiciário brasileiro em direitos humanos
27 de junho de 2023
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas...
Anoreg RS
Artigo – ‘A lei não acompanha as mudanças no conceito de família’, diz Maria Berenice Dias – Por Rafa Santos
26 de junho de 2023
A natureza jurídica do conceito de família passou por uma importante transformação no Brasil.
Anoreg RS
Artigo – Quais tributos incidem na transmissão do patrimônio por herança ou doação – Por Fernando Facury Scaff
26 de junho de 2023
conforme essa opinião, os dois impostos poderiam ser cobrados, pois decorreriam de distintas hipóteses de incidência.
Anoreg RS
Assinatura avançada no registro de imóveis: crédito rápido, reparação lenta – por Alexandre Gonçalves Kassama e Erick Lé Palazzi Ferreira
26 de junho de 2023
Desde o advento da então Medida Provisória nº. 1.085/21, hoje convertida na lei 14.382/22, uma questão tem...
Anoreg RS
TJSP nega pedido de anulação de casamento pelo fato de marido ser homossexual
26 de junho de 2023
Mulher disse que ele não deu qualquer indício da orientação sexual antes do casamento. Para TJSP, fato não...