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Jornada: Especialização de varas em violência doméstica pode elevar qualidade dos serviços da Justiça
08 DE AGOSTO DE 2023
As varas de violência doméstica recebem duas vezes mais processos que as de família e quatro vezes mais do que as criminais de mesma competência territorial. Os dados foram apresentados pelo conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Marcio Luiz Freitas na tarde desta segunda-feira (7/8) durante a XVII Jornada Lei Maria da Penha.
Segundo ele, contudo, há pouca diferença entre o tempo de tramitação dos processos, de acordo com a Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud), mantida pelo CNJ e alimentada com informações dos tribunais. Na análise do conselheiro, para além da importância da celeridade, as estatísticas evidenciam a necessidade de que seja priorizado o aumento dessa especialização de varas para lidar com a matéria de violência contra a mulher.
“Certamente a vítima que passa por atendimento especializado e recebe tratamento mais adequado, tendo respeitadas a sua segurança e a sua privacidade, tende a se sentir mais satisfeita do que aquela sujeita a múltiplas vitimizações ao longo do processo”, afirmou.
O conselheiro também defendeu a relevância da melhor prestação jurisdicional para essa mulher, em momento de extrema vulnerabilidade. Ele, que é supervisor da Política Judiciária de Enfrentamento da Violência Doméstica, recordou que, por esse motivo, a análise no próximo ano do Prêmio CNJ de Qualidade levará em conta a estrutura adequada das unidades no acolhimento à mulher.
Segundo o Relatório “O Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha”, ingressaram no Poder Judiciário, em 2022, 640.867 processos de violência doméstica e familiar e/ou feminicídio. Foram proferidas 399.228 sentenças, computadas tanto as com resolução de mérito, quanto as sem resolução de mérito, e baixados 674.111 processos. Estavam em tramitação ao final do ano, um milhão de processos.
O conselheiro ressaltou que a mudança na metodologia de alimentação dos dados apoiada pela presidente do CNJ, ministra Rosa Weber, propiciou maior uniformidade e consistência nos dados que passaram a ser integrar o DataJud. “É essencial termos dados confiáveis para uma política pública, mormente uma política judiciária. Só assim, saberemos os pontos que mais merecem atenção e onde temos de centrar mais esforços”, destacou Marcio Freitas, que participou do painel “O Panorama Atual e a Evolução Histórica da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário”.
Abolição da defesa da honra
O painel foi presidido pelo conselheiro do CNJ e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, que ressaltou a importância da abolição pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da possibilidade de que os autores de feminicídios passam alegar “defesa da honra”.
Segundo ele, essa prática refletia a cultura brasileira machista, patriarcal e violenta contra as mulheres, que sempre foram tratadas como propriedade dos homens. Em um exercício de alteridade, ele questionou: “Vamos dizer que as mulheres tivessem direito de matar os homens que traíssem. O que aconteceria?”.
Por este motivo, ressaltou, essa pauta não deve ser só das mulheres, mas também dos homens. “É preciso educar a sociedade e precisamos entrar nas escolas. Isso é reponsabilidade do Poder Judiciário”, afirmou.
Como painelistas, participaram também a desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e presidente do Colégio de Coordenadores da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário Brasileiro (Cocevid), Ana Lúcia Lourenço, e a presidente do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid) e juíza do TJRJ, Katerine Jatahy.
Em sua apresentação, Ana Lucia Lourenço fez uma retrospectiva das principais atividades e contribuições do Cocevid ao combate à violência doméstica contra a mulher. Ela ressaltou a importância do trabalho de diálogo interinstitucional realizado com representantes também dos demais Poderes, tais quais do Ministério da Justiça e Segurança Pública e o da Mulher, bem como das comissões da Mulher na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Uma das iniciativas de parceria destacada pela presidente do Cocevid foi a de levar informações sobre o funcionamento do uso da tornozeleira eletrônica ao Ministério das Mulheres. “Todas as coordenadorias têm 15 dias para informar as dificuldades e resultados para aprimorarmos a ferramenta”, anunciou.
Katerine Jatahy relatou que 64% das vítimas são jovens e a maior parte, negras. Ela destacou que, embora a Lei Maria da Penha seja uma das três melhores do mundo, o Brasil é o quinto em crimes de feminicídio. “Geralmente a violência acontece dentro das próprias casas, um lugar que deveria ser de acolhimento e respeito para as mulheres. Por isso, a lei representa uma mudança de paradigma”, pontuou.
Alteração na Lei Maria da Penha
O primeiro dia da XVII Jornada Maria da Penha foi encerrado com painel sobre a Lei 14.550/2023, que alterou a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). “Ela chegou para reforçar a interpretação do dever estatal presente na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), de proteção da mulher”, afirmou uma das coordenadoras do Núcleo Permanente Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Mulher do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), juíza Luciana Rocha.
Para a magistrada, a alteração reafirma o foco na prevenção e na proteção do feminicídio da Lei 11.340/2006. Entre as mudanças, a nova lei, que entrou em vigor em abril deste ano, traz a obrigatoriedade do juízo em relação às medidas protetivas e sua concessão e aplicação na perspectiva de gênero.
A promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MPSP) Valéria Diez Scarance, sustentou que a Lei Maria da Penha é uma carta de direitos muito importante, mas não existe por si só. “A violência não é igual. Há violências de diferentes complexidades e estamos agindo sem fazer distinção. Se qualquer violência é de gênero, podemos não ter braço para tratar de todos esses casos. Se ampliar demais, não vamos proteger”, argumentou.
Já para a professora e jurista Alice Bianchini, o objetivo da Lei 14.550 está alinhado ao pensamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “A lei fortalece a proteção da vítima e dá força à palavra da vítima. (…) E o Sistema de Justiça precisa de estrutura”.
Texto: Regina Bandeira e Mariana Mainenti
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias
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