NOTÍCIAS
Artigo – Análise da decisão proferida pelo STJ no REsp 1.849.994 – Por Isadora Tannous Guimarães Gregio
12 DE JULHO DE 2023
Decisão proferida pelo STJ no julgamento do REsp nº 1.849.994/DF
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 24/3/2023, ao julgar o REsp nº 1.849.994/DF, confirmou ser aplicável responsabilidade civil objetiva a notário, para condená-lo a reparar os danos decorrentes da alienação fraudulenta de imóvel pela lavratura de escritura pública mediante procuração pública falsificada.
A aplicação da responsabilidade civil objetiva ao notário, em referida decisão, teve três fundamentos: o primeiro de que o ato em questão foi lavrado antes da promulgação da alteração do artigo 22 da Lei 8.935/94, promovida pela Lei 13.286/16, e que a redação anterior desse artigo contemplaria a responsabilidade civil objetiva do notário; o segundo de que a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 842.846/SC, foi proferida após a promulgação da Lei 13.286/16, afastando-se, com isso, os efeitos vinculantes dessa decisão do caso concreto; e o terceiro de que, antes da promulgação da Lei 13.286/16, o posicionamento majoritário do STJ era de que a responsabilidade civil do notário era objetiva.
A decisão em análise trouxe questões relevantes para a uniformização da jurisprudência no tocante a responsabilidade civil dos notários em decorrência de atos notariais praticados antes de 10/5/2016, data da publicação e vigência da Lei 13.286/16, que, por isso, merecem reflexão aprofundada.
Responsabilidade civil do notário era objetiva até a promulgação da Lei 13.286/16?
O fundamento central do acórdão em análise é a convicção a respeito da previsão da responsabilidade objetiva do notário na norma contida no artigo 22, da Lei 8.935/94, antes da alteração introduzida pela Lei 13.286/16.
Como subsídio, amparou-se a decisão no argumento de que a redação original do mencionado artigo 22, à medida que não previa expressamente a locução “dolo ou culpa” vinculada aos atos praticados pelos notários, de forma oposta e expressa pela própria omissão, estatuía a responsabilidade civil objetiva aos notários, na contramão da responsabilidade civil subjetiva aplicável aos registradores e aos tabeliães de protesto, tutelada pelas Leis 6.015/73 e 9.492/97.
Busca reforçar esse entendimento no argumento de que, quando da decisão proferida pelo STF no julgamento do RE nº 842.846/SC, constou que a responsabilidade civil subjetiva do notário passou a ser prevista no ordenamento jurídico apenas com o advento da redação do artigo 22, pós 10/5/2016.
Peço licença para discordar desse entendimento, primeiro por entender que o acórdão tomado pelo STF no julgamento do RE 842.846/SC não delimitou como marco temporal para a aplicação da responsabilidade subjetiva a promulgação da Lei 13.286/16 e segundo porque, na mesma linha de entendimento do STF ao julgar referido recurso, a redação do artigo 22, da Lei 8.935/94, antes da promulgação da Lei 13.286/16, não tutelava a atribuição da responsabilidade civil objetiva aos notários.
O que se pretende defender neste artigo, portanto, é que, ao contrário do que constou na decisão em análise, a conclusão que nela se alcançou vai de encontro ao fundamento estabelecido no acórdão firmado em sede de repercussão geral pelo STF quando do julgamento do Tema 777, que, como é cediço, deve ser interpretado pela conjugação de todos seus elementos.
Como assertivamente elucidado no acórdão proferido para o julgamento do Tema 777, de lavra do exmo. ministro Luiz Fux, a Constituição não determina que se aplique ao notário a responsabilidade civil objetiva prevista ao Estado e às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (artigo 37, parágrafo 6º, CRFB/88), ao passo que considerou que (1) o notário exerce a atividade pública na qualidade de pessoa física, o que contrariaria a literalidade do próprio dispositivo constitucional; e (2) a interpretação que predica a responsabilidade objetiva ao notário violaria o princípio constitucional da isonomia porque conferiria tratamento desigual a notários, registradores e tabeliães de protesto, já que para os dois últimos há leis especiais que lhes tutela a responsabilidade civil subjetiva (Leis 6.015/73 e 9.492/97).
Ao assim discorrer, o STF deixa claro o entendimento de que a alternativa interpretativa de que a responsabilidade civil do notário era objetiva quando estava em vigor a redação do artigo 22, da Lei 8.935/94, anterior à promulgação da Lei 13.286/16, contraria a sistemática das normas constitucionais e do artigo 927, parágrafo único, do CC/2002, que estatui que a responsabilidade civil objetiva não se presume, devendo ser expressamente prevista em lei.
Ainda que, antes da promulgação da Lei 13.286/2016, não constasse o termo “culpa ou dolo” na parte da redação do artigo 22 que trata da responsabilidade do notário, a ausência dessas palavras não pode ser compreendida como a existência de expressa previsão da responsabilidade objetiva.
Há aí, com muito respeito, verdadeiro contra sensu no entendimento de que a omissão da locução adverbial “culpa ou dolo” vinculada aos atos praticados pelos notários resultaria na expressa previsão da responsabilidade civil objetiva notário; a omissão de um termo jamais pode representar, de forma expressa, algum sentido.
Portanto, sustentar que a responsabilidade civil do notário, antes da promulgação da Lei 13.286/2916, era objetiva é o mesmo que afirmar ser (1) possível conferir tratamento desigual sem que haja discrímen que autorize o tratamento diferenciado; e (2) possível presumir a responsabilidade civil objetiva, ainda que não haja lei que expressamente a preveja.
Não bastassem esses dois motivos que foram muito bem enfrentados no acórdão proferido no julgamento do Tema 777 do STF, a responsabilidade civil do notário deve ser aplicada na modalidade subjetiva, mesmo para os atos praticados no período em que vigorava a redação anterior do artigo 22, da Lei 8.935/94, porque o notário é agente público e a Constituição, antes mesmo da publicação da Lei 8.935/94, já albergava o princípio do dever de regresso do Estado com relação aos atos culposos ou dolosos praticados por seus agentes, no exercício da função pública.
Novamente, a questão encontra óbice no princípio constitucional da isonomia, pois não há driscrímen que justifique tratar desigualmente o notário e os demais agentes públicos.
Desse modo, a opção feita pelo STJ de continuar a aplicar a responsabilidade objetiva do notário pelos atos notariais praticados até 09 de maio de 2016 busca ressuscitar uma interpretação reconhecidamente inconstitucional, que foi suplantada pelo STF no julgamento do Tema 777.
Acórdão proferido no RE nº 842.846/SC emana efeitos vinculantes com relação aos processos que tratam da responsabilidade civil do notário por atos notariais praticados antes da vigência da Lei 13.286/2016?
A decisão proferida pelo STJ no REsp 1.849.994/DF restringiu a vinculação do Tema 777 do STF aos atos notariais praticados a partir de 10 de maio de 2016, ato que se traduz na modulação dos efeitos da decisão proferida em sede de repercussão geral.
Contudo, a decisão proferida para a fixação da tese relacionada ao Tema 777 do STF não teve os efeitos modulados pela Corte Suprema. Logo, entende-se que a aplicação retroativa desse precedente é obrigatória, exceto se (1) demonstrada a existência de distinção; ou (2) se houver a superação do entendimento, o que não se verifica no caso do processo julgado pela Corte Superior.
Como é cediço, apenas o órgão formador do precedente deve realizar a modulação de efeitos, “a constar do mesmo julgado em que a tese jurídica seja consagrada, preferencialmente no mesmo momento desta consagração”, conforme ensina Teresa Arruda Alvim e Fábio Victor da Fonte Monnerat [1].
Ademais, conforme mencionado anteriormente, no acórdão proferido para o julgamento do Tema 777 o STF não se fez consignar na ratio decidendi que a responsabilidade civil do notário, antes da promulgação da Lei 13.286/16 era objetiva. Ao contrário disso, enfrentou fundamentos para assentar que a interpretação adequada à sistemática constitucional é a de que a responsabilidade civil do notário é, ao menos desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, subjetiva.
Conclusão
Portanto, a decisão tomada pelo STJ no REsp 1.849.994/DF, ao adotar a responsabilidade civil objetiva a ato notarial ocorrido, antes de 10 de maio de 2016, deixou de aplicar adequadamente o precedente de vinculação obrigatória firmado pelo STF representado pelo Tema 777, à medida que modulou os efeitos daquela decisão, sem que ela mesma o tenha feito, contrariando, ainda, os fundamentos enfrentados pela Corte Suprema a respeito da responsabilidade civil subjetiva aplicável ao notário.
___________________________________
[1] ALVIM, Teresa Arrusa; MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Modulação: como, em que momento e por quem? <0a7cb742497b59_modulacaocomo,emquemomentoepor.pdf (migalhas.com.br)> Acessado em 18.05.2023.
Fonte: Conjur
Outras Notícias
Portal CNJ
Programa Link CNJ celebra 18 anos do Conselho
15 de junho de 2023
A maioridade do Conselho Nacional de Justiça é o tema da edição semanal do Link CNJ que vai ao ar nesta...
Anoreg RS
Filho pode atuar como testemunha no processo de divórcio dos pais
15 de junho de 2023
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que os filhos comuns do casal não...
Portal CNJ
Artigo: Os 18 anos do Conselho Nacional de Justiça
14 de junho de 2023
Dezoito anos e muitos motivos para celebrar. Em 14 de junho de 2005, foi instituído o Conselho Nacional de Justiça...
Portal CNJ
Em 18 anos, CNJ fortalece debate plural para consolidação de políticas judiciárias
14 de junho de 2023
O testemunho de quem dedica sua capacidade de trabalho à instituição responsável pelo controle da atuação...
Portal CNJ
CNJ 18 anos: Conselho amadurece atuação e transforma relação com a sociedade
14 de junho de 2023
Transformação social, otimização da prestação jurisdicional, transparência da Justiça: com uma atuação que...