NOTÍCIAS
Apoio às vítimas é estratégia central de enfrentamento ao trabalho análogo à escravidão no Brasil
26 DE JUNHO DE 2023
A ambiciosa e, ao mesmo tempo, indispensável mudança de uma triste e vergonhosa realidade brasileira pautou a manhã da sexta-feira (23/6) dos participantes do Seminário Inclusão Social de Vítimas Resgatadas do Trabalho Análogo à Escravidão. As apresentações de seis painelistas tiveram fundamento na análise de problema que tem raízes seculares, mas transcendeu para a busca de soluções que vão além do momento em que os representantes do poder público constatam a submissão de seres humanos a condições degradantes em troca de um salário insuficiente até mesmo para saldar dívidas com os patrões. O depoimento de uma vítima, que hoje atua como dirigente de uma associação de produtores rurais, serviu como estímulo, uma inspiração para mostrar que a superação é viável.
“Espero que muita gente que esteja passando por esse problema seja resgatada e tenha a mesma oportunidade que nós tivemos”, disse, ao encerrar um depoimento interrompido pelo choro, Camila Ribeiro Dias. Ela é a atual diretora administrativa da Associação Vida Pós-Resgate de Aracatu (BA), uma organização que reúne trabalhadores que foram vítimas do trabalho análogo à escravidão. O grupo, que está empenhado na produção do próprio alimento e na geração de renda, é um sopro de esperança no município onde vivem 13 mil pessoas, que têm poucas alternativas de trabalho. “Até hoje, o dinheiro que chega na cidade é só aquele que as pessoas conseguem na colheita de café.”
Em 2021, depois de viajar por 27 horas, Camila deixou a cidade natal com o filho e o marido para trabalhar em cafezais do norte de São Paulo, no município de Pedregulho. A realidade que encontrou foi bem diferente do que ouviu do agenciador, o tal, na gíria, gato: em vez do cômodo exclusivo para a família, teve de dividir o quarto com outras 16 pessoas. Para a higiene pessoal no único banheiro disponível, porque o fornecimento de água não era contínuo, a fila durava até a meia-noite. Na cozinha, oito fogões e botijões dividiam o espaço com dois beliches, as acomodações dos rapazes solteiros que viviam na mesma casa onde, no total, moravam 26 pessoas, entre trabalhadores e seus filhos. No relato, há detalhes sobre sede, alimentação inadequada, uso de lenha para cozinhar para poupar gás, condições de moradia indignas e jornadas de trabalho exaustivas.
Reincidência
A transformação na vida de Camila, com a nova perspectiva de existência, está diretamente ligada ao Projeto Vida Pós-Resgate, que leva adiante ações semelhantes na cidade de Una, também na Bahia, e experiências incipientes em outros dois municípios da região sizaleira do estado. “Há altíssimo índice de reincidência no trabalho escravo ligado à necessidade coercitiva, do ponto de vista coletivo, de que as pessoas têm de se submeter novamente ao mercado de trabalho”, explicou coordenador da iniciativa, o também painelista e professor de economia da Universidade Federal da Bahia, Vitor Araújo Filgeiras. “O pensamento vigente é o seguinte: ou você trabalha, ou você não vive.” O acadêmico defende, para o enfrentamento estrutural do trabalho escravo, a destinação dos recursos oriundos de ações de danos morais para a compra de terrenos que abrigariam vítimas resgatadas.
Agora, o Vida Pós-Resgate ganhou apoio institucional, está a caminho de firmar parceria com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. “Há a compreensão de que o esse projeto consegue congregar diversas dimensões importantes, inclusive o uso racional e sustentável dos bens da natureza, não se trata apenas de organizar as pessoas”, avaliou a secretária Nacional dos Direitos Humanos, Isadora Brandão Araújo da Silva. “Aliar o enfrentamento ao trabalho escravo com uma forma de distribuição da terra em nosso país é uma combinação que nos parece, também, muito revolucionária”, disse a painelista ao descrever o projeto como um modelo de política pública que considera a complexidade da realidade, desde a fiscalização até o momento do pós-resgate.
Uma outra experiência de apoio a vítimas resgatadas do trabalho análogo à escravidão participou da programação do Seminário. A psicóloga e coordenadora do Projeto Ação Integrada do Rio de Janeiro, Yasmim França, compartilhou como a organização pratica acompanhamento emergencial, continuado e multiprofissional que estimula o pensamento crítico, a desalienação e leva em conta questões de gênero, de ração, a origem das pessoas. “A inserção num trabalho digno é uma ponta num processo que envolve muita gente, um trabalho crítico de muita responsabilidade, que inclui, inclusive, arte e a cultura”, destacou a coordenadora responsável por equipe que, entre 2020 a 2022, se dedicou a 3.970 atendimentos.
O Ação Integrada, no Rio de Janeiro, presta assistência por meio do fornecimento de diárias em hotéis, de roupas, de alimentos e da orientação para as pessoas conseguirem os documentos pessoais. Em janeiro deste ano, a instituição lançou publicação para orientar profissionais da comunicação a lidar com tema complexo, que demanda entendimento amplo das realidades social e cultural do Brasil.
Texto: Luis Cláudio Cicci
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias
The post Apoio às vítimas é estratégia central de enfrentamento ao trabalho análogo à escravidão no Brasil appeared first on Portal CNJ.
Outras Notícias
Anoreg RS
Projeto de Lei 35/23 propõe nova partilha consensual de bens após o divórcio
14 de junho de 2023
A proposta busca atender às necessidades e mudanças nas circunstâncias dos casais após a separação,...
Anoreg RS
Credor pode consultar INSS e Ministério do Trabalho sobre verbas do devedor, diz STJ
14 de junho de 2023
Clique aqui para ler o acórdão.
Anoreg RS
AGU obtém o cancelamento de títulos de propriedade registrados dentro de Terra Indígena
14 de junho de 2023
Foi demonstrada nulidade de atos que reconheceram direitos de domínio indevidamente.
Anoreg RS
MP do Minha Casa, Minha Vida segue para sanção
14 de junho de 2023
Aprovada na forma do Projeto de Lei de Conversão (PLV) 14/2023 e relatada pelo senador Efraim Filho (União-PB), a...
Anoreg RS
Artigo – Constitucionalidade da lei paulista de regularização de terras – por Miguel F. de Oliveira Flora, Coraldino S. Vendramini e Renato Maurilio Lopes
14 de junho de 2023
Registra-se que a validade da lei foi judicializada no STF (Supremo Tribunal Federal), tendo o Partido dos...