NOTÍCIAS
Artigo – Adjudicação compulsória extrajudicial: mais um avanço da extrajudicialização – por Daniel Luiz Yarshell, Vanessa Silva Sene e Giovanna Silva e Sousa
14 DE AGOSTO DE 2023
Segundo a última edição da revista Justiça em Números, periódico divulgado anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com os dados estatísticos e indicadores do Poder Judiciário, o Tribunal de Justiça de São Paulo encerrou o ano de 2021 com 21 milhões de ações em tramitação. O periódico aponta, ainda no âmbito do TJ-SP, que o tempo médio de duração de uma ação na primeira instância, contado do protocolo da petição inicial até a prolação de sentença, é de dois anos e três meses [1].
São precisamente dados como esses que instigam reflexões e impulsionam a criação de alternativas extrajudiciais, visando, dentre outras coisas, à diminuição do congestionamento de processos nos nossos tribunais, especialmente para procedimentos de menor complexidade. E, confirmando essa ideia, após a implementação em ações envolvendo inventário e partilha de bens, divórcio e usucapião, o fenômeno da extrajudicialização também acaba de alcançar discussões envolvendo a adjudicação compulsória de bens.
A adjudicação compulsória é (ou melhor, era) um procedimento exclusivamente jurisdicional por meio do qual se opera a transferência forçada de bens de uma pessoa em favor de outra. Ainda que do ponto de vista processual a “adjudicação” se insira em um contexto mais amplo, isto é, como instrumental à disposição do exequente para a satisfação da obrigação perante o executado mediante a expropriação de bens móveis ou imóveis, sob o ponto de vista da legislação civil, tal procedimento, em regra, se coloca tanto à disposição do promitente comprador que enfrenta recusa do vendedor na outorga da escritura definitiva de compra e venda; como, inversamente [2], ao vendedor, na hipótese em que, por qualquer motivo, o comprador não promover a regularização registral da aquisição.
Com a recente promulgação da Lei Federal nº 14.382/22, foi acrescentado à Lei de Registros Públicos o artigo 216-B, disciplinando, agora, a possibilidade de efetivação da adjudicação compulsória extrajudicial, retirando o tema das mãos exclusivas do Poder Judiciário; tudo a tornar o procedimento mais célere e, quiçá, menos oneroso para as partes envolvidas, na medida em que, uma vez presentes os requisitos legais, a adjudicação poderá ser efetivada por meio de simples requerimento diretamente junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente.
Nos termos da nova legislação, são partes legítimas para requerer a adjudicação compulsória extrajudicial o promitente comprador de bem imóvel, qualquer de seus cessionários ou promitentes cessionários, ou ainda, seus sucessores; bem como o promitente vendedor, todos representados obrigatoriamente por advogados.
Uma vez requerida a adjudicação compulsória pelo interessado, o procedimento se desenvolverá em duas etapas. A primeira delas consiste na intimação [3] do requerido para que no prazo de quinze dias úteis outorgue (ou receba) a escritura pública, efetivando a transmissão da propriedade; notificação essa cuja operacionalização poderá ser delegada ao Oficial do Registro de Títulos e Documentos. Uma vez intimado, o requerido poderá apresentar impugnação ao pedido ou demonstrar o cumprimento da obrigação. Vale registrar, ainda, que o transcurso do prazo, sem manifestação do requerido, implicará sua anuência ao pedido [4] e, ainda, que caso ele expresse discordância, o Oficial de Registro de Imóveis poderá promover uma tentativa de conciliação ou mediação [5].
Superada esta primeira etapa, será protocolada petição pelo interessado dirigida ao Cartório de Registro de Imóveis instruída com: a) cópia do instrumento contratual com cláusula de irretratabilidade; b) prova do inadimplemento, constituída pela não transmissão (ou recebimento, conforme o caso) da propriedade plena no prazo de quinze dias, contados da entrega de notificação acima indicada (quando esta ocorrer pelo próprio Registro de Imóveis); c) ata notarial indicando a exata descrição do imóvel objeto da adjudicação, o nome e qualificação das partes envolvidas, a prova do pagamento do preço acordado e a prova do inadimplemento (quando a notificação se der por meio de Oficial do Registro de Títulos e Documentos); d) prova da ausência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel, por meio das respectivas certidões forenses; e) prova do recolhimento do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI); e, por fim, f) da procuração com poderes específicos ao advogado que assessora o interessado.
Cumpre destacar, ainda, que a Lei de Registros Públicos não exige o registro prévio do compromisso de compra e venda na adjudicação compulsória extrajudicial, entendimento este que, a bem da verdade, já era adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos termos da Súmula 239/STJ [6].
O pedido de adjudicação compulsória extrajudicial será indeferido se for comprovado que as partes utilizam do meio extrajudicial para tentar burlar eventuais exigências notariais, registrais, tributárias, ou a própria essencialidade da escritura pública para a prática do ato, nos termos do artigo 108 do Código Civil; e, ainda, quando a impugnação ofertada pelo requerido for reputada “fundada”, juízo de valor este que está ao critério do próprio Oficial de Registro. Inexistindo dúvidas ou impugnação fundada, e estando em ordem toda a documentação, o Oficial procederá ao registro da adjudicação compulsória [7].
Por se tratar de um procedimento administrativo, a adjudicação compulsória extrajudicial não impede que a parte que tenha seu pedido eventualmente não atendido (ou aquela que se sinta prejudicada) promova a discussão pela via jurisdicional.
Em arremate, ainda é cedo para afirmar os reais impactos que a adjudicação compulsória extrajudicial trará ao desafogamento do Poder Judiciário. Mas, uma coisa parece certa: a extrajudicialização é uma tendência que veio para ficar.
———————-
[1] Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2022/Conselho Nacional de Justiça – Brasília: CNJ, 2022.
[2] Se no passado a expressão “adjudicação compulsória inversa” poderia ser criticada pela doutrina e jurisprudência, à luz da nova legislação, aparentemente, o tema foi pacificado, na medida em que, indiscutivelmente, ao vendedor também subsiste interesse jurídico em forçar o comprador à regularização o registro da escritura pública.
[3] Tratando-se de pessoa jurídica, a notificação deverá ser entregue a pessoa com poderes de representação legal, nos termos do item 466.8, Tomo II, NSCGJ, TJSP.
[4] Item 466.5, Ibidem.
[5] Item 469, Tomo II, NSCGJ, TJSP.
[6] O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.
[7] Item 472, Ibidem.
———————-
Daniel Luiz Yarshell é advogado do Yarshell Advogados.
Vanessa Silva Sene é advogada do Yarshell Advogados.
Giovanna Silva e Sousa é estagiária do Yarshell Advogados.
Fonte: ConJur
Outras Notícias
Portal CNJ
Estrutura e fluxos da rede de apoio das varas são apontados como fundamentais para cessar ciclo da violência doméstica
09 de agosto de 2023
A desembargadora do Paraná (TJPR) e presidente do Colégio de Coordenadores da Mulher em Situação de Violência...
Portal CNJ
CNJ não aponta conotação racista em sentença de juíza do Paraná
09 de agosto de 2023
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) considerou não ter havido conotação racista em expressão utilizada por...
Portal CNJ
Panfleto informativo orienta tribunais sobre direitos da pessoa idosa
09 de agosto de 2023
Um folder eletrônico com informações e orientações sobre os direitos da pessoa idosa será distribuído aos...
Portal CNJ
Falta de critérios objetivos podem levar à ineficácia de medidas socioeducativas, diz artigo
09 de agosto de 2023
A ausência de critérios objetivos e sistematizados, que considerem as necessidades de adolescente que infringiu a...
Portal CNJ
Relatório parcial traz diagnóstico sobre a gestão orçamentária do Judiciário
09 de agosto de 2023
A garantia de autonomia financeira e a possibilidade de incremento do orçamento do Poder Judiciário estão entre...